16.07.2008
Em 1988, em Porto Alegre, um guri arregalou os olhos diante do televisor para ver um judoca brasileiro conquistar a medalha de ouro nas Olimpíadas de Seul. Horas depois, com aquela imaginação que só as crianças de sete anos têm, ele colocou os pés no colégio Rio Branco, olhou para os coleguinhas de aula e, com cara de mau, avisou: 'Eu sou o Aurélio Miguel'. Passados 20 anos, o guri cresceu. Verticalmente nem tanto, é verdade. Mas, do alto de seu 1,63m, João Derly é bicampeão mundial de judô e parte na semana que vem para o Oriente, onde espera repetir o que fez seu ídolo duas décadas antes.
Há 20 anos, João Derly imitava Aurélio Miguel. Pois agora chegou a vez de um número incontável de crianças espalhadas pelo Brasil imitarem Derly. O judoca é uma das grandes esperanças brasileiras em Pequim. Para mostrar como está a preparação do atleta, o GLOBOESPORTE.COM seguiu todos os passos dele nesta segunda-feira, 14 de julho - desde os treinos na Sogipa (Sociedade de Ginástica Porto Alegre, seu clube) até as risadas com o seriado 'Friends' na televisão da sala de casa, passando pela careta na hora de tomar a vacina contra a febre amarela. A seguir, você acompanha o relato de um dia de treinamento da fera. Um dia regado a muito suor, mas inaugurado com café-da-manhã na cama e recheado de uma dose considerável de cafunés.
Derly é a prova de que nem tudo precisa ser sofrimento para um atleta de alto nível. Ele padece com tanto exercício, é verdade, mas é recompensado. E desde os primeiros momentos do dia. Quando acorda, resmungando de mau humor, o judoca recebe na cama o café-da-manhã preparado com todo o carinho por Gabriela Pisoni, sua esposa desde o ano passado. Gabi está lado a lado com o atleta nos dias finais de preparação para a Olimpíada. Ela faz com que os treinamentos não sejam apenas de suor e cansaço, mas também de risos, brincadeiras e carinhos.
- Sempre que possível, procuro estar presente ao lado dele. É bom estar junto, dar um apoio. O importante é perceber que ele está muito bem, super concentrado, confiante. Sinto nele uma enorme vontade de ir lá e ganhar. O caminho que leva à China exige esforço.
Aos 27 anos, o gaúcho é bicampeão mundial na categoria até 66kg. Venceu no Egito, em 2005, e no Rio de Janeiro, em 2007, onde também conquistou o Pan-Americano. O objetivo da vez é brilhar nas Olimpíadas.
- Tenho certeza de que o Derly chegará bem a Pequim. Depois das lesões, ele teve dois meses de uma preparação muito boa agora. Foi um crescimento muito grande. Ele é um atleta de enorme competitividade, que não gosta de perder - diz Kiko Pereira, treinador de Derly na Sogipa.
Para chegar à China, o judoca precisa de alguns cuidados até mesmo burocráticos. A vacina da febre amarela é uma das medidas. E lá foi Derly para o posto de saúde levar a picada no braço. No trajeto de carro, foram cerca de 20 minutos de risadas ininterruptas. Derly gargalhava ao contar o enredo do filme "Jogo de amor em Las Vegas", que ele vira com a esposa na véspera. Mas logo chegou a hora de encontrar a seringa. Antes de entrar na salinha, ele fez manha, parecia clamar para que não doesse. Durante a aplicação, não escondeu uma careta. Depois, ao reencontrar Gabi, largou uma frase que sintetiza seu alto-astral diário:
A seguir, você acompanha como é a rotina de João Derly em um dia de treinamento. Começa às 9h, com o café na cama, e vai até o final da noite, quando ele desaba no sono, cansado pelo dia que passou e já iniciando a preparação para a jornada que virá.
9h
O despertador toca; começa um novo dia de muito trabalho. Treino seis vezes por semana, seis horas diárias: é puxado, mas é necessário. Não acordo de bom humor. Para ficar bem mesmo, preciso de uma meia-hora. Mas começo a melhorar quando minha mulher me traz café na cama. Tomo um suco de laranja e como banana amassada com aveia. Estou pronto para encarar o dia.
9h15m
Ainda sonolento, saio da cama e começo a me preparar para o treinamento da manhã. É hora de arrumar minhas coisas, separar o material de treino, deixar tudo certinho para o trabalho.
9h45m
De carro, dirijo até a Sogipa. É um horário de trânsito tranqüilo. Acompanhado da Gabi, ouvindo uma música suave no rádio, chego sem problemas.
10h
Já no clube, me preparo para o treinamento, arrumo o material, deixo tudo pronto para começar a suar. O clima é bom no treino. Estou com a Mayra Aguiar, o Tiago Camilo, os treinadores e outros colegas. Ali pertinho, a Gabi, ao lado da Alessandra, namorada do Camilo, fica de olho.
10h30m
A parte da manhã é reservada para atividades físicas. Faço arrancadas de 100 metros, com o máximo de velocidade possível. Com o calçado adequado, acho que conseguiria fazer o percurso em uns 12 segundos. Não chego nem perto dos atletas
11h30m
Depois de correr na pista atlética, encaro a dureza de uma série de abdominais, em posições variadas. Em seguida, faço o alongamento. Estou pronto para almoçar.
12h
O almoço geralmente é no restaurante da Sogipa. Às vezes, faço a refeição em casa. Minha esposa diz que não cozinha bem, mas não tem nada disso. É só para mexer comigo. Na verdade, ela cozinha muito bem. É comum eu almoçar na Sogipa porque é mais prático. O almoço não tem nada de muito pesado. No prato, massa sem molho, mas com bastante azeite de oliva extra-virgem, carne e salada. Bebo um refrigerante e como uma sobremesa.
12h45m
Hora de tomar a vacina contra a febre amarela no posto do IAPI. Eu já tinha feito, mas foi em 1997. Como o período é de dez anos, já venceu o prazo. Só espero que não dê efeitos colaterais. Da última vez, até tentei treinar, mas percebi que estava com 38 graus de febre. Tive que parar na hora.
13h30m
Vou para casa de carro, sempre acompanhado da Gabi. Lá, relaxo um pouco antes de dormir. Deitado no sofá, dou boas risadas com um episódio do seriado Friends.
14h
Ter um bom descanso faz parte da preparação. É por isso que procuro dormir umas três horas todas as tardes. Os músculos estão doloridos por causa do treinamento da manhã. Descansar é essencial.
17h
Já é hora de acordar. Eu e minha esposa fazemos um chimarrão no fim da tarde. Minha sogra, minha mãe e meu pai geralmente nos acompanham. Na roda de chimarrão, colocamos a conversa em dia.
19h
Parto novamente para a Sogipa. Agora, a preparação é técnica e tática. O treino é forte para chegar bem em Pequim. Antes, faço uma sessão de acupuntura para relaxar a musculatura e eliminar as dores.
19h50m
À noite, o trânsito é um pouco mais pesado, mas nada que incomode muito. Não demoro para chegar ao clube.
20h
Feita a preparação, vou para o tatame. Fazemos simulação de lutas e focamos no handori, que funciona assim: vamos lutando e trocando de rival, geralmente de quatro em quatro minutos, sempre que soa o sinal. Encaro atletas com características diferentes - canhoto, destro, mais alto... - para o treino ficar o mais
completo possível, simulando as variações de adversário que vou encontrar em Pequim.
22h
Acabou o treino. É hora de ir para casa e descansar novamente.
22h30m
Chegando em casa, vou jantar. Se a esposa já fez uma jantinha gostosa, comemos na hora. Ela costuma fazer um peixe ou um frango grelhado e uma salada. Se não preparou ainda, fazemos na hora mesmo. É meu horário de relaxar também, depois de um dia longo de treinamentos. Assistimos a um filme, lemos a Bíblia juntos. É o momento em que eu e minha esposa podemos conversar. É a única parte do dia em que ficamos só nos dois.
0h
Chegou o momento de ir dormir. Nove horas depois, sei que vai começar mais um dia de treinamento.
Fonte: Globo Esporte
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